"Guarde somente as coisas que você gosta, materiais, emocionais e espirituais."



Minha mãe


Num tempo em que as mocinhas faziam pouco mais que aprender bordado, costura e a serem futuras esposas, ela ficou sem a mãe, que morreu de parto. Com nove anos e três irmãos mais novos, assumiu, quase sem querer os afazeres de casa, que compreendiam puxar água de poço pra lavar, desde os tijolos brancos do piso até os ternos de casemira, também brancos, que depois teriam que ser impecávelmente engomados, pois o dono dos tais ternos, seu pai, era um homem muito importante, chofer de taxi, dono de um dos únicos carros da cidadezinha onde moravam, no interior de São Paulo. Um homem muito bonito e elegante que atraía os olhares de todas as mocinhas "casadoiras" da região.
Como não podia deixar de acontecer, uma delas fisgou o viúvo bonitão, e, pra dizer a verdade: a pior delas, viúva com um casal de filhos e de personalidade forte, autoritária, egoísta e pra variar com muita maldade no coração (quem disse que a madrasta da branca de neve é ficção?). A cidade inteira comentava e dava conselhos pra ele não se envolver com a tal viúva, e por outro lado diziam pra ela que com o gênio que ela tinha não seria fácil a convivência e ainda a aconselhavam que se quisesse poderia arrumar outro homem que não tivesse filhos, mas ela foi decidida e o homem parecia enfeitiçado, então o casamento não demorou a acontecer.
Talvez ele tenha imaginado que precisava de alguém para cuidar das crianças, afinal ficar sem a mulher e com 4 filhos pequenos era no mínimo preocupante. Mas ao contrário do que ele planejou a vida se tornou extremamente difícil. Foram anos de sofrimento para as crianças nas mãos da MÁdrasta, que escondia suas maldades do marido perfeito.
Ele, por sua vez, trabalhava o dia todo, às vezes viajava para outras cidades próximas e nunca voltava para casa de mãos vazias, sempre trazia presentes para todos.
Ainda me recordo que ouvi uma conversa num passado recente que a madrasta tinha um baú de cortes de sedas caríssimas que havia escondido das enteadas e que os anos fizeram apodrecer de tal forma que se rasgavam ao serem puxados. O tempo se encarregou de cuidar para que ninguém fizesse proveito dos tecidos que ela, egoisticamente, não queria deixar que outros usassem.
Em outra ocasião essa mulher teve um ataque dos seus periódicos momentos de raiva e pegou a menina caçula, arrastou pelos cabeços dando voltas na casa, quando chegou no fundo do quintal com um machado nas mãos tentou cortar-lhe o pescoço. A menina foi salva pela vizinha que entre gritos passou pela cerca de balaustre (nem sei como) e impediu a tragédia.
Esses acontecimentos eram frequentes e sempre ocultos do pai das crianças, pois as tias tinham receio de contar porque não sabiam qual seria a reação dela, que poderia variar desde um escândalo com palavrões ou até a perseguição dos meninos. As crianças por sua vez, numa época em que tudo era proibido, morriam de medo das ameaças dela e mesmo que contassem para o pai, ele cego de paixão pela fingida mulher (ela era um doce quando ele estava por perto), não acreditaria e poderia castigá-los também. Situação sem saída.
E por muitos anos essa foi a vida da menina, de sua irmãzinha caçula e dos seus dois irmãos.

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